Santa & Profana
Nos últimos tempos, ouvimos cada vez mais sobre a tal “energia feminina”, uma promessa de equilíbrio e felicidade baseada em doçura, passividade e acolhimento. Dizem que, para sermos amadas, precisamos nos conectar com essa energia, sermos suaves, aceitarmos, fluirmos. Mas será que isso é mesmo nossa verdadeira essência? Ou será apenas mais uma embalagem bonita para o velho e conhecido patriarcado?
Kawane Cândia
2/11/20252 min read


Nos últimos tempos, ouvimos cada vez mais sobre a tal “energia feminina”, uma promessa de equilíbrio e felicidade baseada em doçura, passividade e acolhimento. Dizem que, para sermos amadas, precisamos nos conectar com essa energia, sermos suaves, aceitarmos, fluirmos. Mas será que isso é mesmo nossa verdadeira essência? Ou será apenas mais uma embalagem bonita para o velho e conhecido patriarcado?
A ideia de uma “energia feminina” voltada para a submissão não é nova. Ela se esconde na psicanálise clássica, nos mitos ocidentais e nos contos de fadas. Freud nos deu o conceito de “inveja do pênis”, sugerindo que a mulher se sente incompleta por não possuir o órgão masculino. Jung, por outro lado, trouxe a ideia dos arquétipos femininos como a Mãe, a Amante, a Sábia e a Donzela, mas omitiu a potência destruidora e caótica do feminino – aquela que rasga para dar à luz, que sangra sem morrer, que devora para criar de novo.
Nos mitos antigos, a verdadeira energia feminina não era apenas dócil e receptiva. A Deusa era ao mesmo tempo criadora e destruidora, mãe e ceifadora, doadora da vida e Senhora da Morte. Lilith não aceitou se deitar abaixo de Adão. Kali destrói para reconstruir. Medusa petrifica quem ousa encará-la. O feminino não é um único tom de rosa, é um espectro de sombras e luzes.
Assim como a Lua, o feminino tem suas fases. Na Lua Crescente, semeamos. Na Cheia, transbordamos. Na Minguante, recolhemos. E na Lua Negra? Ah, na Lua Negra morremos e renascemos. Mas nos ensinaram a negar essa escuridão. Nos dizem que devemos ser apenas luz, só energia acolhedora e maternal. Mas a Lua Negra sempre volta, e nela habita o poder que tentam nos arrancar: o da destruição criativa, do silêncio antes do grito, da bruxa antes da fogueira.
Então, por que nos dizem que devemos ser apenas acolhedoras? Porque um feminino inteiro é um feminino perigoso. Um feminino que não se limita ao maternar, mas que também é caótico, sensual, raivoso e indomável, ameaça a ordem. O patriarcado sabe disso e, por isso, precisa nos fazer acreditar que nossa força está apenas na aceitação, nunca na ruptura.
Mas negar a fúria do feminino é nos afastar de nossa própria potência. O verdadeiro sagrado feminino não é um comercial de lavanda e vestidos floridos. Ele é o útero e o túmulo. Ele é Yemanjá que acalenta e afoga. É a mulher que cuida e a que abandona. É a bruxa e a santa. E só quando abraçamos tudo isso - o doce e o amargo, o amor e a ira - podemos viver nossa força em plenitude.
Agora eu te pergunto: qual parte do seu feminino você tem medo de abraçar? Porque talvez seja exatamente aí que more o seu poder.
